Durante os últimos anos, o treinamento cognitivo(ou ginástica cerebral) tem recebido muito interesse e suporte porque a melhora do desempenho cognitivo de maneira confiável tem aplicações amplas em idosos, crianças, pessoas em tratamento, assim como no público em geral. Por exemplo, o treinamento cognitivo pode ter um papel importante no envelhecimento saudável, atrasando o aparecimento do declínio cognitivo ou reduzindo a severidade do declínio. Também pode ajudar pacientes esquizofrênicos a aliviar um pouco dos sintomas da doença que debilitam habilidades cognitivas, como o raciocínio lógico e a memória de trabalho. Ou então ajudar crianças no tratamento do déficit de atenção e dificuldades de aprendizagem.
Muito já foi falado sobre a plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do cérebro ficar melhor nas tarefas que são treinadas. Ultimamente, muitos centros de pesquisa tentam demonstrar como vários tipos de treinamento cognitivo podem melhorar o desempenho também de tarefas e habilidades não treinadas, um fenômeno chamado de transferência.
Porém, o sucesso em se comprovar o efeito de transferência ainda depende de um melhor entendimento da neurociência básica por trás do treinamento e da transferência. A hipótese predominante de como a transferência ocorre sugere que o treinamento de uma tarefa será transferido para outra tarefa se o treinamento induzir algum tipo de plasticidade ou mudança nas áreas ou circuitos cerebrais importantes para a tarefa não treinada. Essa hipótese é conhecida como a sobreposição neural do treinamento e, embora ela esteja bastante alinhada com a literatura atual em neurociência cognitiva, ainda não recebeu muito suporte empírico.
Um estudo recente tentou justamente testar essa hipótese, examinando se as mudanças na atividade cerebral que ocorrem depois de um treinamento de 30 horas num jogo de videogame estariam relacionadas com as mudanças de desempenho numa tarefa de memória de trabalho não treinada. O jogo escolhido para treinamento era bastante complexo, envolvendo o uso da memória de trabalho, raciocínio lógico, controle motor e atenção, e certos aspectos do treinamento eram bastante similares aos de uma tarefa de memória de trabalho conhecida como Tarefa de Memória Sternberg. Portanto, os pesquisadores esperavam demonstrar que a plasticidade induzida pelo jogo nas áreas cerebrais importantes para a memória de trabalho indicaria uma melhora pós-treino nessa outra tarefa de memória de trabalho não treinada, ou seja, os efeitos da transferência do treino.
Quando o estudo encerrou, eles encontraram evidências apoiando essa afirmação. Os resultados sugerem que aqueles indivíduos que obtiveram o maior benefício do treinamento com o jogo também foram aqueles em quem o treinamento teve o maior impacto neural. Além disso, a importância do impacto neural foi específica para as áreas do cérebro já conhecidas por estarem envolvidas na tarefa não treinada.
Em outras palavras, o treinamento cognitivo pode ser transferido para uma atividade cotidiana quando ele modifica as regiões cerebrais envolvidas com o desempenho dessa atividade cotidiana. Essa é uma das primeiras confirmações de como a transferência do treinamento ocorre através da sobreposição neural e sugerem que estudos futuros de treinamento cognitivo devem ser projetados para o máximo impacto em atividade cerebral. Isso pode ser obtido, por exemplo, combinando o treinamento cognitivo com um programa de treinamento físico para aumentar a neuroplasticidade.
Fontes:
Nikolaidis e outros. Parietal plasticity after training with a complex video game is associated with individual differences in improvements in an untrained working memory task. Frontiers in Human Neurosciences, 21 March 2014.
Dahlin e outros. Transfer of Learning After Updating Training Mediated by the Striatum. Science, 13 June 2008, Vol. 320 no. 5882 pp. 1510-1512